Reportagem por Gabriel Neri e Vinícius França

O Villa Nova Atlético Clube, sediado em Nova Lima, é um dos clubes mais tradicionais de Minas Gerais. Fundado em 28 de junho de 1908, é o segundo mais antigo, atrás somente do Atlético Mineiro. O clube é conhecido também como Leão do Bonfim por conta de seu mascote e do bairro onde está sediado. Seu estádio é o Castor Cifuentes - o Alçapão do Bonfim - e o Alvirrubro é o quarto maior campeão mineiro, com cinco títulos, abaixo dos três de Belo Horizonte. Sendo assim, é o clube com mais conquistas no interior do Estado. 

O nascimento do Villa foi por vontade de operários trabalhadores da mineradora inglesa Saint John Del Rey Mining Company Limited (São João Del Rei Companhia de Mineração Limitada, tradução livre). A reunião de fundação foi na Câmara Municipal da então Villa de Nova Lima. Sua primeira partida registrada foi na mesma data de fundação e foi contra um time combinado de Lagoinha (bairro de Belo Horizonte), uma vitória do Villa por 2 a 1. Na história, o Leão disputou 3.112 jogos. Hoje, o clube é considerado como patrimônio imaterial de Nova Lima.

No cenário nacional, o clube nova-limense carrega o orgulho de ser o primeiro campeão da Série B em 1971. Além dos títulos, fez parte do jogo com maior público da história do Mineirão, na final do Mineiro de 1997 diante do Cruzeiro. Mais de 132 mil pessoas estavam presentes. Mas o atual momento é trágico para o Alvirrubro. Afundado em dívidas, sem patrimônio, time, patrocínio, receita e no Módulo II do Campeonato Mineiro (equivalente a uma segunda divisão estadual), o clube tenta se manter vivo para não se tornar apenas uma lembrança na cidade de Nova Lima.

Cenário atual

A situação do Villa Nova é muito grave no aspecto econômico. A diretoria comandada pelo presidente Bruno Sarti Almeida, vice-presidente administrativo Tiago Tito e vice-presidente financeiro Cláudio Horta Santos assumiu a instituição neste ano. Segundo o vice financeiro, o caixa do Villa estava zerado no começo do ano. Em 2020, a equipe estava no Módulo I do Campeonato Mineiro e foi rebaixada para o Módulo II. Assim, seu calendário de jogos começa somente no dia 3 de julho diante do União Luziense fora de casa.

Para jogar, o Villa Nova precisa de recursos para o elenco, treinador, viagens e outros custos que envolvem o futebol. Uma das receitas que o Leão sempre tinha em caixa era a subvenção da Prefeitura Municipal de Nova Lima (PMNL) no valor de R$ 2,5 milhões. Em 2020, segundo o presidente do Conselho Deliberativo (CD) e historiador do clube, Wagner Augusto Álvares de Freitas, o clube teve R$ 4,2 milhões em receitas, somando patrocínios, cotas de televisão, ajuda da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e, claro, a subvenção. Ou seja, quase 60% da receita foi de recurso público

A subvenção é um incentivo, seja em descontos ou investimento direto, feito pelo poder público (prefeituras, Estado ou União). O objetivo é estimular instituições sem fins lucrativos que cumprem um papel de assistência médica, social, cultural, educacional ou, no caso do Villa, esportiva. O processo para conseguir esse recurso começa com uma lei que precisa ser aprovada na Câmara Municipal e depois ser sancionada pelo prefeito. No entanto, a instituição beneficiada tem de preencher alguns requisitos como mostrar a finalidade do recurso, certidões negativas de débitos (CNDs), entre outros. Não cumprir os requisitos e receber os recursos pode constituir crime de improbidade administrativa a quem autorizar.

O Villa Nova não recebeu em 2021 a subvenção justamente por não cumprir os requisitos (confira a nota da PMNL sobre a negativa) mesmo após aprovação da lei na Câmara de Nova Lima. No dia 2 de janeiro, o primeiro dia útil após a posse do novo prefeito João Marcelo Dieguez Pereira (Cidadania), Prefeitura e clube se reuniram para falar sobre a situação. Reunião confirmada tanto pelo Villa quanto pelo líder do Executivo nova-limense. Na ocasião, João Marcelo afirmou que faria o repasse da subvenção ao time do Bonfim. “Manifestei prontamente o meu desejo em manter o repasse, entendendo a importância dessa verba para o desenvolvimento de atividades do clube” - disse em entrevista exclusiva ao Mercado do Futebol (MF)

No entanto, segundo ele, “a equipe técnica da Prefeitura constatou que o clube não possuía, naquele momento, condições legais de receber tal subvenção”. Assim, foi comunicado ao clube que não seria repassado o valor de R$ 2,5 milhões. 

Em nota publicada pelo presidente Bruno Sarti Almeida em 20 de março de 2021, o mandatário citou que o “prefeito voltou atrás no acordo” e que o ato “praticamente sepulta o Leão do Bonfim” (confira a íntegra da nota do Villa Nova abaixo). O clube reconhece que não tinha as CNDs e que tinha conhecimento do poder público sobre a real situação villa-novense. Os motivos alegados pela PMNL foram a falta das certidões, pendência na prestação de contas dos anos anteriores e “desvio de finalidade no repasse da subvenção”. Esse último motivo porque, de acordo com Cláudio Horta, 50% dos recursos que entram nas contas do Villa são bloqueados para pagamentos de acordos passados, causas trabalhistas e outras dívidas. 

Além desses motivos, há um inquérito civil em curso no Ministério Público averiguando os antigos repasses recebidos pelo clube. Sobre as prestações de contas, o Conselho Deliberativo não aprova as contas da Diretoria Executiva desde 2015, com exceção de 2017. Os mandatos da Diretoria Executiva e do Conselho Deliberativo são de dois anos, ou seja, biênios, com possibilidade de reeleição. Em 2015, o ano começou com Aécio Prates de Araújo (2014-2015) e encerrou com Nélio Aurélio de Souza (2015-2016). 

As contas daqueles anos só foram apreciadas em 2021 na primeira Reunião Ordinária da história do clube a distância por conta da pandemia de Coronavírus. As contas dos dois presidentes foram rejeitadas por 32 votos a um. Com isso, cumprindo o Estatuto do Villa Nova (confira o Estatuto abaixo), Aécio e Nélio estão inelegíveis e não podem concorrer a nenhum cargo. 

Já as contas do presidente da última gestão, do presidente Antônio Márcio Botelho (2016-2020), com exceção de 2017, ainda não foram apresentadas para a apuração do Conselho. Assim, desde 2015, só as contas de 2017 foram aprovadas. 2018, 2019 e 2020 não foram repassadas para análise. Wagner Augusto, presidente do Conselho, deu o prazo até o dia 30 de abril de 2021 (veja documento abaixo) para o Conselho Fiscal apresentar os números da gestão de Márcio Botelho. Até o momento do fechamento desta reportagem, eles não foram enviados ao CD.

Ato 008/2021 solicitando a apresentação das contas da gestão de Márcio Botelho

Entretanto, vale ressaltar que antes de Wagner assumir o Conselho Deliberativo, o presidente no último biênio era João Marcelo Dieguez - atual prefeito - que à época era o vice-prefeito de Nova Lima na gestão de Vitor Penido (DEM). Para Wagner, João foi “imposto como presidente do Conselho Deliberativo na época pelo ex-prefeito Vítor Penido” e “um dirigente distante e apático”. Prova disso é que durante o mandato de Dieguez no CD, não houve prestação de contas

Perguntado se houve alguma indicação do ex-prefeito e como foi o mandato no Conselho Deliberativo, Dieguez disse que deu sua “parcela de contribuição com responsabilidade e dedicação”. Também indagado se após a negativa da subvenção e se há alguma chance de auxílio financeiro ao Villa, o atual prefeito respondeu que “não [no momento] havia mecanismos legais para efetuar o repasse, devido à falta de certidões necessárias e pendências de prestação de contas dos anos anteriores”.

O que faltou agora não foi certidão, faltou foi vontade política de cumprir o que havia sido combinado

- opina Wagner Augusto
Presidente do Conselho Deliberativo, Wagner é jornalista e escreveu três livros sobre o Villa Nova (Acervo Pessoal)

Cabe ressaltar aqui que essas contas não prestadas à Prefeitura são diferentes das não apresentadas ao Conselho Deliberativo. Para Nova Lima, o Villa “tem obrigatoriedade de prestar contas sobre o plano de trabalho referente ao repasse da subvenção pública, o que não ocorreu” - explica Dieguez.

Tragédia e esperança

Parafraseando Jim Morrison — o futuro é incerto e o fim está sempre perto. Esse é um resumo da situação cujo Villa Nova se encontra nos dias atuais. Segundo revelado ao MF por uma fonte, a dívida do clube, de maneira extraoficial, alcança a casa dos 40 milhões de reais, significando que a receita do clube no ano de 2020, isso seria equivalente a 10% do valor total. A efeito de comparação, analisando a porcentagem, em 2019, no ano em que o escândalo político e a crise econômica foram divulgados, o débito do Cruzeiro foi de cerca de 30% da receita anual.

Não obstante e o que deixa ainda mais preocupante é que entre os 10% referidos estão inclusos o valor da subvenção, recurso que não haverá em 2021. Espera-se que o clube arrecade no ano um valor menor, principalmente por não estar participando de divisões nacionais e estar no Módulo II do Campeonato Mineiro. Além disso, vale lembrar que metade do valor que entra no caixa do clube é retido para pagamento de acordos passados, causas trabalhistas e outros passivos. Uma parte da dívida foi renegociada com a Federação Mineira de Futebol (FMF), porém, o montante e o prazo não foram revelados. Uma catástrofe econômica.

Ainda referente ao débito do Villa Nova, oficialmente, apenas a auditoria contratada pelo clube divulgará os números. Esta, por sinal, só deve ter seu fim após o início do estadual, o que dificulta a questão dos parceiros momentaneamente.

Tentativas de parceria

A respeito das possíveis parcerias do Villa Nova para a sequência, conversamos com Cláudio Horta, vice-presidente financeiro do Leão e empresário. Ele deu ênfase que o projeto é dividido em duas partes, que seguem simultaneamente, a curto e a longo prazo, sendo elas, respectivamente, disputar o Campeonato Mineiro Módulo II e transformar o Villa em um clube totalmente profissionalizado, não precisando do vínculo financeiro com a Prefeitura para sobreviver.

Para o plano a curto prazo, a diretoria da equipe estudou inúmeras possibilidades na área de comunicação e marketing, para que assim consiga gerar receitas. A diretoria afirma que não quer deixar de disputar o Estadual. Vale ressaltar que, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a cidade de Nova Lima concentra a maior renda média mensal do Brasil, R$ 6.253,03, algo que é pensado pelos responsáveis por explorar.

Não passa pela minha cabeça deixar de disputar o Mineiro

- confessa Cláudio

Ademais, o segundo plano demanda um certo tempo, sendo mais complexo. O Villa Nova realiza uma auditoria para tentar mensurar as dívidas do clube, para conseguir apresentar para os possíveis investidores de maneira mais segura e concreta. “Alguns interessados pedem informações, outros já querem detalhar essas”, por isso, o vice-presidente financeiro do clube afirma: “nós desejamos ter nossos números”.

No sentido de profissionalizar, o Leão segue no aguardo da aprovação do Projeto de Lei federal nº 5.516/2019 que tramita no Senado Federal e permitem as associações esportivas se tornarem clubes-empresa, para, deste modo, alçar investidores para manter viva a história e um clube tão expressivo para a cidade, o Estado e o país.

Cláudio conta que apareceram investidores de todo o mundo — entre eles, estadunidenses, portugueses e brasileiros. No entanto, também ressalta que até o momento não houve nenhum afunilamento com os possíveis candidatos e interessados, além do Supermercados BH. “Com o [Supermercados] BH nós começamos a noivar para depois casar”, porém, houve a desistência por parte da rede de supermercados mineira. Portanto, hoje não há nenhuma negociação avançada.

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Reunião entre diretoria e políticos. Da esquerda para a direita: Cláudio Horta, João Vitor Xavier, Bruno Almeida, Tiago Tito e João Marcelo (Divulgação/Villa Nova)

Olhar da torcida

Uma das partes que pode ser mais afetada em caso de morte do Villa, é o torcedor, que teme o fim caso não consiga investidores rapidamente. No dia 3 de julho tem início o Módulo II do Campeonato Mineiro, assim, o Leão do Bonfim possui menos de dois meses para conseguir recursos, todavia, ainda há todo um tempo de formação de comissão técnica e elenco para o torneio. Conversamos com o villa-novense João Otávio, o personagem da saudosa corneta reportada pela TV Banqueta em jogo no Alçapão do Bonfim que ficou  5 a 1 para o Tupynambás, de Juiz de Fora,  e chefe de gabinete na Câmara Municipal de Nova Lima, que comentou a respeito da situação.

Inicialmente perguntado sobre o sentimento que há por parte da torcida neste momento, João Otávio definiu como uma sensação de “frustração”, no entanto, ele afirma que já era algo esperado devido às péssimas gestões anteriores, especialmente na última década. Ainda sobre a questão, João afirma não ter receios de mudanças (de identidade, nome, etcetera), contanto que o Villa Nova saia da do terrível momento atual.

A torcida prefere que mude alguma coisa do que o Villa acabe

- ressalta João Otávio

Questionado sobre a negativa da Prefeitura de Nova Lima ao clube em relação à subvenção, João afirma que todo mundo foi pego de surpresa e que isso pode fazer com que o Villa Nova tenha esse trágico fim: “parece que já havia sido acordado o repasse da subvenção entre o prefeito e o atual presidente do clube, mas não foi isso que aconteceu”.

O torcedor villa-novense é um misto de esperança e “sanidade”. João Otávio reitera que o clube pode sim sair dessa situação, no entanto não é algo tão simples. O mesmo ainda cita a atual conjuntura econômica do país, que também não favorece a chegada de um investidor. Mesmo afirmando que o Villa Nova sempre será o clube mais tradicional do interior mineiro, ele reforça a dificuldade nas negociações: “a gente tem aquele ponto de sanidade que sabe que o clube pode vir a decretar a falência”.

Nota dos autores

Dia de jogo na cidade de Nova Lima quase sempre significa Alçapão do Bonfim com centenas de torcedores que buscam apoiar as cores de sua cidade e do Villa Nova Atlético Clube. “Ondulam as bandeiras, soam as matracas, os foguetes, os tambores, chovem serpentinas e papel picado” - como muito bem sintetiza Eduardo Galeano em seu livro Futebol Ao Sol e À Sombra. Quando se termina o jogo, o estádio se esvazia. E não há nada mais vazio que um estádio vazio. O Castor Cifuentes não pode ficar sem as pelejas do Villa Nova. As cores pintam as arquibancadas e o verde da grama é o cenário das grandes histórias. Fizemos este texto para valorizar a história do Villa, do futebol e da cultura em si. Esperamos que não seja uma despedida e que daqui a algum tempo, voltemos a escrever sobre títulos do Leão.